quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Um pouco de história sobre o Candomblé

O candomblé é uma religião que teve como princípio a necessidade de passar seus fundamentos através da fala, não havendo nada escrito que pudesse esclarecer com riqueza os belíssimos atos ou cerimônias existentes. O fundamento era adquirido somente com a convivência da vida cotidiana de uma roça de candomblé. Como nossa memória é dotada de falha, entendemos que parte destes fundamentos possa ter se perdido com o passar dos tempos.
Homens e mulheres que trouxeram consigo suas tradições religiosas milenares. Negros de diferentes etnias e crenças foram colocados juntos na mesma senzala, passando a conviver em situações muitas vezes precárias, tendo que abandonar antigas rixas coletivas ou individuais, por força das circunstâncias. Senhores de escravos, apostando na manutenção das antigas diferenças como fator de desagregação (até porque muitas vezes diziam respeito a questões de guerras tribais), permitiam que os negros se reagrupassem de acordo com suas origens étnicas para cantar e dançar, em suas línguas nativas, acreditando assim desestimular quaisquer tipo de associações que possibilitassem fugas ou levantes.
Mas a desgraça comum acabou por unir os povos escravos através da solidariedade. Inimigos históricos deixaram de lado suas diferenças. Surgiram as primeiras trocas de informações comparando divindades e suas maneiras de culto, através de semelhanças e desigualdades. Para propiciar a continuidade de suas crenças, adaptações fizeram-se necessárias. Surgiram as primeiras alforrias, a princípio amparadas em Lei que garantia ao escravo a liberdade desde que conseguisse restituir ao senhor a quantia que havia lhe custado.
Mulheres escravas dos grupamentos urbanos tinham melhores condições para juntar o dinheiro necessário; faziam quitutes que eram vendidos ou prestavam serviços que eram remunerados. Por sua vez a Igreja, que havia fechado os olhos para a escravatura adotou um papel evangelizador em relação aos negros, que passaram a ter alma. Nasciam assim as primeiras irmandades de escravos (as), como por exemplo a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, existente até hoje. Essas confrarias arrecadavam fundos para alforriar negros.
Três princesas africanas, dentro desse processo e à sombra da Igreja, fundaram o 1º Candomblé do Brasil em Salvador (BA), há mais de quatrocentos anos atrás, conhecido com "Engenho Velho".
As cerimônias eram feitas ao ar livre, onde escravos cantavam e dançavam em louvor às suas divindades. Tais reuniões eram chamadas de kan-Dom-b-le, palavra kibundo (originou o termo candomblé), que significa festa ou reunião de negros.
Posteriormente descendentes desses primeiros escravos, já adaptados à nova terra, introduziram modificações nas várias maneiras de culto trazidas da África.
As trocas culturais foram sendo paulatinamente assimiladas por todos e mesmo mais tarde, quando puderam reorganizar-se em grandes grupos pela etnia de origem já não era possível separar adequadamente os rituais, preceitos e muitas palavras utilizadas dentro das cerimônias religiosas.
Grupos de cultura mais aparelhada ou simplesmente maior contigente humano passaram a exercer influência dominante. Chamamos essa divisão pelo termo "Nação". Assim temos, de influência notadamente Iorubá a Nação Ketu; de influência Ewe-Fon a Nação Gêge; de influência Banto, a Nação Angola etc.
Importante notar que mais atualmente observa-se a importação direta da África de formas de culto e valores religiosos, restabelecendo o contato com a religião tradicional dos Òrìsà.
Grupos dividiram-se em Nações, Nações dividiram-se novamente, originando as Famílias de Ase, verdadeiros Clãs religiosos. Como exemplo temos a Casa Branca , o Gantois, o Opo-Afonja, a Casa de Osumarè, pertencentes a Nação Ketu e sediados em Salvador(BA).
Famílias geraram descendentes (ramificações) que fundaram novas casas por todo território nacional, notadamente Rio de Janeiro e São Paulo. São Bábàlorisa e Iyálorisa filhos, netos, bisnetos e tataranetos das casas matrizes
Houve também grupos que radicaram-se em outras regiões do território nacional, como o Maranhão (Tambor de Mina) e o Rio Grande do Sul (Batuque).
Todo iniciado tem Pai ou Mãe espirituais; por sua vez, esse Pai ou essa Mãe também possui um iniciador (sacerdote ou zelador) ou iniciadora (idem) e assim, sucessivamente, até chegar-se à raiz da Família, isto é, à Casa Matriz: a raiz do Asè.
Ninguém se faz sozinho, ou muito menos "já nasce feito". Todos precisam transpor os portais da iniciação (feitura), levados pelas mãos de um iniciador ou iniciadora (pai ou mãe espirituais), para fazer parte integral da organização religiosa e social do Candomblé.
Cada Elegun (iniciado) deve conhecer suas raízes, para poder valorizá-las e também ser valorizado. Dar conhecimento da formação genealógica da Família espiritual é obrigação de todo sacerdote para com seus filhos espirituais.
Essa foi a herança cultural e religiosa recebida pelos afro-descendentes. Nasceu uma religião original, verdadeiramente brasileira, perfeitamente integrada à nova terra.
África continua sendo o berço da religião tradicional dos Òrìsà; Brasil e outros lugares do mundo, a sua continuidade, como se constituíssem o tronco e ramos de uma mesma árvore.
Ìkòódìdé

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